Reuniões preparatórias para a IV Conferência Municipal de Cultura iniciam em Belém.




As conferências distritais, preparatórias para IV Conferência Municipal de Cultura, foram realizadas ontem em 04 distritos de Belém. Nos distritos de Icoaraci, Outeiro, Benguí e Entroncamento. As pré-conferencias, preparação para a Conferência Municipal de Cultura que vai ocorrer entre os dias 10 e 11 de Agosto no Centur, tem por objetivo preparar as demandas e discussões sobre a Implementação do Sistema Nacional de Cultura bem como escolher os representantes que participarão da III Conferência Estadual de Cultura, e posteriormente, da III Conferência Nacional de Cultura, em Brasília.



Mobilizados pela Fundação de Cultura do Município de Belém - Funbel e pelo Fórum Municipal de Cultura - FMC, artistas, produtores culturais, coordenadores de grupos de cultura popular, membros de escola de samba, comunicadores sociais, gestores culturais e demais membros da sociedade civil participaram conhecendo o Sistema Nacional de Cultura, a importância da Implementação da Lei de Cultura Valmir Bispo e os eixos da Conferência pautados em:



EIXO I - IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA NACIONAL DE CULTURA
Foco Nacional: Impactos da Emenda Constitucional do SNC na organização da gestão cultural e na participação social nos três níveis de governo (União, Estados/Distrito Federal e Municípios).
Foco Municipal: Identificar mudanças na gestão cultural local e da participação social no Conselho Municipal de Política Cultural, fóruns e outras formas de organização em consequência da implementação do Sistema Municipal de Cultura.
EIXO II -    PRODUÇÃO SIMBÓLICA E DIVERSIDADE CULTURAL
Foco: O fortalecimento da produção artística e de bens simbólicos e da proteção e promoção da diversidade das expressões culturais, com atenção para a diversidade étnica e racial.
EIXO III -   CIDADANIA E DIREITOS CULTURAIS
Foco: Garantia do pleno exercício dos direitos culturais e consolidação da cidadania, com atenção para a diversidade étnica e racial.
EIXO IV -  CULTURA E DESENVOLVIMENTO
Foco: Economia criativa como uma estratégia de desenvolvimento sustentável
Os Eixos que norteiam o debate do Sistema Nacional de Cultura




Logo após as apresentações institucionais, os debates seguiram com a formação de Grupos de Trabalho que puderam se reunir para fazer uma análise de conjuntura e fazer reflexões sobre a importância e a necessidade urgente  que existe hoje no nosso país, no estadoe no município  em relação à cultura.
A conferência é o espaço que garante falas, proposições e demandas da sociedade civil que junto com o Poder público podem fazer mudanças significativas na realidade em prol de toda a sociedade, uma vez que as políticas discutidas nesse contexto são transversais e provocam melhorias em setores da educação, turismo, saúde, segurança e principalmente, na economia. “A conferência é um momento privilegiado que temos, para tentar dar um rumo para cultura no nosso país  e em nossa cidade” afirma o Sr Paulo Barroso, Mestre da Cultura Popular.





“O momento é favorável também para a implementação do Sistema Municipal de Cultura que será um dos princípios norteadores da Conferência Municipal, que através dos debates e do acúmulo de proposições das pré-conferências distritais, teremos subsídios para a Construção do Plano Municipal de Cultura e moções para servirem como parâmetros da construção de um programa da cultura a ser desenvolvido em Belém. Além de ser uma preparação para que os militantes da cultura possam exercitar seu direito de participação nas políticas públicas e exercer a democracia”. 









“O momento é favorável também para a implementação do Sistema Municipal de Cultura que será um dos princípios norteadores da Conferência Municipal, que através dos debates e do acúmulo de proposições das pré-conferências distritais, teremos subsídios para a Construção do Plano Municipal de Cultura e moções para servirem como parâmetros da construção de um programa da cultura a ser desenvolvido em Belém. Além de ser uma preparação para que os militantes da cultura possam exercitar seu direito de participação nas políticas públicas e exercer a democracia”.

Na pré-Conferência de Cultura de Icoaraci além dos 
Debates, análises, propostas e apresentação de conhecimentos múltiplos. Foi elaborado 14 propostas para a Conferência Municipal de Cultura, ficou estabelecido a Criação do Fórum de Cultura de Icoaraci, com a primeira reunião marcada para 01/08/2013, na Biblioteca Avertano Rocha, Rumo à implantação da Lei Valmir Bisco e do CMC.



Sabemos que o Sistema Nacional isoladamente não vai resolver o problema da política cultural pública do país s não pressionar. O Congresso Nacional não aprova a PEC -150. A Lei Rouanet continua do mesmo jeito, carregando  todo o dinheiro para o Eixo Rio e São Paulo. E na Amazônia, pela distância dos centros econômicos e políticos do poder, fazer cultura, torna-se mais difícil ainda. A falta de uma representação regional da FUNARTE poderia estimular o fomento na Região. Órgãos como a SUDAM poderiam estimular o desenvolvimento regional estimulando a formação de Arranjos Produtivos Locais. Demandas como o Custo Amazônico,  depois de anos sendo encaminhadas para as Conferências Nacionais, agora que vão surtindo efeitos, com a publicação do Edital do Programa Amazônia Cultural de Apoio a Projetos Culturais da Região Norte e o VALE CULTURA que precisa sensibilizar as empresas e indústrias a aderirem ao Programa. Mas a grande expectativa encontra-se no Projeto, capitaneado pela Secretária de Economia Criativa do Minc, Cláudia Leitão que através do Plano Nacional de economia Criativa conseguirá efetivar ações ao desenvolvimento cultural aliado ao crescimento econômico.


“Em nível Estadual  Municipal, tudo o que foi proposto em conferências passadas, do que a Classe Cultural demandou, do que disse que é importante e tem que ser política cultural, não foi feito absolutamente nada, todo movimento se não houver organicidade e compromisso, daqueles que realmente tem a responsabilidade de gestão, e dos que fazem e vivem da Cultura, isso vai ficar mais uma vez apenas no discurso e nos papéis
Acompanhamos no Brasil, o povo indo para as ruas com a vontade de mudança mostrando a força viva da nação! A população quer se expressar, quer arte, quer recursos, quer cultura, quer prioridade. A cultura é um direito social assim como a moradia, a educação, o transporte público de qualidade”
Hoje,  as plenárias serão nos distritos de Belém, Guamá, Sacramenta e Mosqueiro todos artistas estão aptos a se inscrever e participar das discussões sobre ações e programas para o setor. As inscrições para participar das conferências distritais serão feitas entre 8h e 9h. Em seguida, os debates devem ser feitos até o meio-dia. A primeira deve ser a maior e acontecerá no Ginásio "Altino Pimenta". Já as demais serão promovidas na Escola de Samba Bole-bole, na Escola Técnica Estadual e no São Paroquial da Igreja de Nossa Senhora do Ó, respectivamente. As três primeiras ocorrerão pela manhã, entre 8h e 12h, segundo o horário estabelecido para inscrições e debates. Já a de Mosqueiro será feira à tarde, a partir das 15h e se estendendo até as 19h.

 

As conferências distritais antecedem as Conferências Setoriais que devem acontecer no dia 3 de agosto, no Centro de Eventos "Ismael Nery" da Fundação "Tancredo Neves". O evento maior, chamado de IV Conferência Municipal de Cultura, está agendado para os dias 10 e 11 de agosto, também no Centur.


Texto: Carlos Pará
Jornalista 2165- DRT/PA
Editor da Revista PZZ
Membro do Fórum Municipal de Cultura e do Fórum Estadual pela Democratização da Comunicação





BARCOS AMAZÔNICOS


Através de uma série de cinco filmes sobre os diferentes tipos de utilização dos barcos que navegam nos rios da Amazônia paraense, transportando madeira, peixe, pessoas, cerâmica e gado, o cineasta Chico Carneiro mostra a vida dos homens que trabalham nessas embarcações e a realidade dos que vivem nas ribeiras desse Mar Doce. E, a beleza da região, o extrativismo vegetal, a degradação ambiental e como esse meio de transporte subsiste graças ao desprendimento desses homens, que não dependem de apoios governamentais para criarem, com pujança, a base de sua subsistência econômica e do comércio fluvial paraense.

Por Carlos Pará, Fotos: Chico carneiro

No primeiro filme da Série,  “Seu Didico - Paraense Velho Macho” registrou ao longo de 2 semanas em 2 viagens feitas no barco “Samaria”, o cotidiano e o processo de quem vive na Amazônia do transporte da madeira.
O fluvimovie começa pela cidade de Inhangapi, pequena cidade à beira de um bonito rio do mesmo nome, a 17 kms de Castanhal (PA), cidade a 70 kms da capital paraense, na rodovia que liga Belém a Brasília. Em Inhangapi existe um porto de descarregar madeira, tijolos e telhas, que vêm de diferentes zonas do Pará, para abastecer o comércio de Castanhal e outras cidades do interior. Ali foi o porto/ponto de partida e de chegada.
Chico Carneiro e seu irmão, o fotógrafo Amilcar Carneiro, zarparam em condições pouco confortáveis debaixo de chuva e pequena acomodação dentro do barco. Comiam o mesmo rango da tripulação, peixe, caça, carne com arroz e feijão e claro, como não poderia faltar, o alimento básico da região, o açaí. Dormiam no barco ancorados em algum lugar da região sob as nuvens e as estrelas aos sons da mata ou às vezes sob o som de morcegos que aninhavam-se no enorme Buritizeiro ao qual o barco ficara amarrado.
Parando nas cidades de Bujarú, Belém, Igarapé-Miri, passaram pelos Rio Mojú, Rio Acará, Rio Igarapé Miri, Rio Caji, Rio Meruú l, Rio Guamá, furos, igarapés, veias abertas de florestas, todos com a paisagem típica do interior da Amazônia: floresta, palafitas, açaizais um ou outro barco a motor e a população em pequenas canoas, rabetas...


Seu Didico o protagonista do filme, com uma larga experiência de navegação, tinha a tranquilidade de quem conhece o seu metier, e sabia que a atenção permanente é a garantia de uma viagem segura. Nenhum detalhe relacionado com a segurança escapava ao seu permanente e atento olhar. Nesse trajeto foram feitas as entrevistas com ele pegando o depoimento de quem trabalhava no barco viajando pelos rios comercializando a madeira em forma de ripas, ripão e pernamancas, de madeiras comuns na região como a Cupiúba e Anani. A madeira carregada em seu barco perfaz-se em 9 toneladas que é a capacidade do barco. O “Samaria” tem uma capacidade de carga de 18 toneladas. Esse total só é conseguido acondicionando madeira também fora do porão, no convés, prática ilegal mas comum aos barcos que transportam madeira na região.


A viagem do filme revela o percurso que a madeira atravessa até ser processada para a venda. Desde a sua retirada, o transporte em jangadas, o empilhamento em toras na beira dos rios, corte e laminação, até serem carregadas para o barco e desembarcadas nos portos. Cenas do filme mostram a madeira sendo carregada pelos trabalhadores rolando os troncos do rio para a serraria e, nesta, procedendo ao corte das toras, transformando-as em tábuas. Tudo manualmente. No igarapé Felipequara (estreito e cheio de curvas, mas de águas limpíssimas), cenas oníricas do transporte de toras pelo igarapé, indo das matas para as serrarias. Levadas por jangadas, toras de madeiras flutuando para seu destino final, inusitado meio de transportar a madeira em que o documentarista ia registrando e fazendo malabarismos para pegar diferentes ângulos do cortejo vegetal.

Mesmo com chuva o carregamento do barco não para. As filmagens eram rodadas mesmo em baixo de chuva e depoimentos como o do sr. Zé Melquides nos mostram o conhecimento sobre a vida e as condições sociais e econômicas que vivem os povos da amazônia, verdadeira filosofia de um povo que sobrevive sem as amarras do Estado e que sabem e pensam perfeitamente sobre a condição humana que lhe foram submetidas.
O seu primeiro trabalho profissional em cinema, como assistente de câmera, foi no antológico “Iracema” (Bodanzky-Senna, 1974),clássico filme que narra a história do impacto provocado  pela rodovia Transamazônica (BR-230), projetada durante o governo militar, do presidente Emílio Garrastazu Médici (1969 a 1974), considerada uma “obra faraônica”, cortando sete estados brasileiros: Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Pará e Amazonas.
No Pará e no Amazonas, a rodovia não é pavimentada e o que foi a grande rota do progresso e justificativa para a ocupação territorial na Amazônia é um grande descaso público e uma grande ferida na selva amazônica, um entrave para o desenvolvimento regional onde a grilagem impera, a degradação humana com a prostituição, a malária e o trabalho escravo e da natureza com as paisagens do desmatamento, queimadas e devastação.
A relação do social e do ambiental abordado pelo cinema foi o inicio da formação deste cineasta que procura revelar a realidade da Amazônia em que vivencia em seus filmes  e que revive nela.

Dramaticamente interfiro o mínimo possível nos acontecimentos evitando a repetição de uma situação, só o fazendo quando considero determinada ação importante para a compreensão da história e não consegui obte-la quando ela realmente aconteceu; se em uma determinada cena há um problema de falta de foco, ou a câmera tremeu, não a repito, a não ser que não tenha conseguido filmar o assunto que me interessa; esteticamente não estou preocupado com continuidade dramática ou visual “certinha”, e sim com a transmissão de emoção, em suas variadas matizes.




A estética que percorre é construída num caminhar cinematográfico profissional – totalmente empírico - cedo envereredou pela trilha de querer fazer um Cinema de cunho mais social, ou político. Isso deveu-se não somente ao tipo de Cinema no qual esteve envolvido mas certamente, e sobretudo, pela sua visão social do mundo. Que o Cinema só fortaleceu.
 “Subimos o igarapé durante 1 hora e meia e era impressionante ver o quanto suas águas eram limpíssimas, e o quanto a mata, em muitos pontos, era cerrada, com o igarapé espraiando-se em várias direções de tal modo que muitas vezes perdíamos a noção de onde estávamos (onde a inevitável pergunta: como aqueles homens conseguiam transportar a madeira por aquele caminho que, muitas vezes, parecia não ter espaço suficiente para as toras passarem?). Foi uma visão impressionante: várias canoas com diversas toras amarradas de ambos os lado, com um ou dois homens em pé sobre as toras utilizando varas para movimentá-las e controlá-las, desciam o curso de água ao lento sabor da correnteza e em meio a uma permanente troca de palavrões que funcionava como uma brincadeira entre eles e quebra da monotonia. Depois de filmá-las a partir da nossa canoa passei para uma das canoas-jangada e, dela, para as outras, para poder ter outros ângulos de filmagem. Algumas canoas são pilotadas por apenas um homem, a maioria dos casos; outras, por dois.
No início as canoas-jangada vêm juntas, quase que coladas umas às outras. Mas aos poucos, e dependendo do ritmo e da perícia de cada condutor (ou condutores), elas vão distanciando-se entre si. (Chico Carneiro)

Balsa “Boieiras”

Nesses labirintos líquidos, além de canoas, barcos, balsas que transportam o gado pelo rio, embarcações muito comuns no Estado que é o segundo maior produtor de rebanho bovino do país recortado com a geografia hidrográfica que o delimita. Essas balsas são conhecidas como “boieiras”, que a pronúncia cabocla transforma em “buieiras” (Coincidentemente, quando 1 ano depois fiz o filme do transporte de gado, foi que reparei que a balsa que filmei pro “Seu Didico...” foi a mesma balsa em que viajamos para fazer o filme sobre o transporte de gado).

Nos Caminhos do Rei Salomão

Na Amazônia Paraense, norte do Brasil, os barcos são o principal meio de transporte da população ribeirinha. Mais de 50.000 barcos compõem a malha de transporte fluvial, grande parte deles dedicando-se ao transporte de passageiros.
Este filme documenta a viagem de 36 horas do Navio-Motor “Rei Salomão”, que transporta passageiros e carga, entre as cidades de Belém (capital do Estado do Pará) e Anajás (no centro geográfico da Ilha do Marajó – a maior ilha fluvial do mundo, na foz do Rio Amazonas).
O documentário retrata a movimentação do porto no dia da partida do barco; a viagem e o cotidiano da tripulação e dos passageiros; a paisagem amazônica; as dificuldades da navegação; os problemas da população ribeirinha; a imparável destruição da floresta amazônica e aspectos da cidade de Anajás –que vive da extração da madeira, do palmito e do açaí, além de deter o maior índice brasileiro de pessoas afetadas pela malária.


Nas Barrancas do Rio Cariá

A série foi pensada para que o fio condutor de cada filme fosse a viagem de um determinado tipo de barco de modo a que aquilo que o barco transporta espalhasse, e espelhasse, a realidade (ou melhor: o recorte da realidade dado pelo seu olhar) da região. Nesse sentido a viagem teria que ser longa, de modo a que se tivesse tempo de "entrar" na vida dos personagens, os próprios tripulantes dos barcos. O tema deste quarto filme da série é a Cerâmica e por isso foi escolhida a região de Abaetetuba sendo uma região sobejamente conhecida como produtora de cerâmica, foi para ali que o seu irmão Amilcar (que além de fotógrafo e também cineasta gosta de pescar e conhece bastante bem a região das águas) dirigiu-se à procura de revendedores de cerâmica (a idéia inicial era focar sobre o transporte do produto). O Rio Cariá fica no baixo Tocantins, ele sempre foi um local de olarias (entre outros rios da região). A partir da cidade de Abaetetuba (uma das cidades onde o seu pai durante algum anos explorou a atividade de exibição cinematográfica) vai-se de rabêta numa viagem de cerca de 1 hora.  É um rio pequeno que deságua no rio Maracapucú, um dos rios afluente do rio Campopema que banha a cidade de Abaeté. Estávamos a procura de um barco que fizesse uma viagem mais ou menos longa para transportar ou telha, ou tijolo, ou pote, mas sem repetir os caminhos, ou melhor, os rios dos filmes anteriores. Chegamos a fazer contato com um barco transportador de telhas em Belém mas (felizmente) a viagem nesse barco não rolou. E o impacto visual da olaria do seu Badu, me fez mudar de ideia e centrar o filme na produção de potes e telhas - que eram os produtos ali fabricados - o que poderia fazer o gancho para a extração do barro e da madeira - para alimentar os fornos que "queimam" os produtos - e por extensão tocar na questão ambiental da destruição da floresta.

O processo de filmagem é simples: documentar o que vai acontecendo, sem uma ordem especial, ditado até pela maneira como as coisas são feitas. Por exemplo: o cara que trabalhava na prensa das telhas começava sua jornada, sob a luz de lamparina, às 5 da manhã. Então o primeiro dia de filmagem começou às 5 da manhã, filmando esse processo. Processo que filmei também com as primeiras luzes do sol, que foram as que utilizei no filme. À medida que vamos conhecendo melhor o processo de trabalho, e quem faz o quê, então as peças do quebra-cabeça vão encaixando-se, de modo a que tenha-se o registro completo de todas as fazes do processo produtivo. 
“Como o filme não tem roteiro, deixo "o rio me levar" mas sempre atento pros inúmeros acontecimentos que, se bobear, passam batido e a gente acaba perdendo um bom assunto. Então é preciso fazer parte do local e, sobretudo, ganhar a confiança e ficar amigo das pessoas que se documenta. Assim, ficamos morando na casa do seu Badu durante as 2 semanas de filmagem, comendo peixe com farinha e tomando banho no rio Cariá. Sem esse banho nas águas profundas de cada região o documentário fica inexoravelmente mais pobre, menos próximo da realidade.
Quanto aos personagens, isso é uma coisa curiosa porque cada um que é retratado acaba impondo sua personalidade. O que quero dizer é que eu não escolho os personagens, eles é que se impõem ao filme. Exemplifico: o seu Badu (que é o dono da olaria) não me parecia uma figura forte. Ele tem um falar lento e quando o entrevistei não gostei muito do resultado da entrevista. Porém quando fui editar o material vi que sua personalidade se impunha com tamanha força na entrevista - que tinha cerca de 40 minutos - que eu quis utilizar tôda a entrevista no filme e isso por sua vez me levou ao formato final do filme, onde a figura do seu Badu acabou ficando com uma relevância não pensada a quando da filmagens.

AMAZON TOWN 

Em 1948, o antropólogo Charles Wagley realizou uma viagem para a cidade de Gurupá, na Ilha do Marajó, onde encontrou DALCÍDIO JURANDIR e escreveu o livro Amazon Town

por Mário Santos Neto











Entre junho e setembro de 1948, o antropólogo norte-americano Charles Walter Wagley (1913-1991) complementou a coleta de dados iniciada em 1942, e ampliada em 1945, que culminaram no livro Amazon town. A study of man in the tropics (1953). Na visita à comunidade amazônica de Gurupá (PA), em 1945, o antropólogo contou com o apoio do escritor Dalcídio Jurandir (1909-1979), que colaborou na pesquisa e inclusive, segundo Moacir Werneck de Castro, “o ajudou escolher a pequena cidade paraense de Gurupá – onde, aos vinte anos fora secretário do prefeito” (2006: 200). Essa estadia de Dalcídio na comunidade ocorreu em 1929, quando foi nomeado Secretário-Tesoureiro da prefeitura do município por seu amigo, o “Intendente”, Rainero Maroja. Foi nesse curto período que aí ficou (outubro de 1929 a novembro de 1930) que o então jovem escritor esboçou o primeiro romance de seu futuro projeto literário: a série Extremo Norte, um conjunto romanesco constituído por dez volumes, que narram a trajetória do jovem Alfredo, compondo um vasto panorama social, cultural e histórico da Amazônia – conjunto mais tarde chamado de “Saga do Extremo Norte” por Jorge Amado (1996: 17). Essa “saga” acompanha o percurso do personagem desde a infância, por volta dos dez anos, passada no Marajó (Cachoeira do Arari e Ponta de Pedras), até à maturidade, aos vinte. O último romance da série, Ribanceira, narra a experiência de Alfredo como Secretário-Tesoureiro em uma cidade situada à beira do rio Amazonas – repetindo ficcionalmente a biografia do escritor.

“A igrejinha, branca e luminosa... com uma penugem de garça velha”.



No auge da Segunda Guerra Mundial ocorria um processo novo de aproximação entre EUA e Brasil. Os norteamericanos estavam interessados em matérias primas importantes no Brasil, borracha na Amazônia e mica e quartzo no Vale do Rio Doce. Daí, relata Moacir Werneck, “elaboraram um programa de assistência médica e sobretudo de saenamento básico para marcar presença” (2006: 201). O antropólogo Charles Wagley, após um rápida pesquisa de campo em terras indígenas, em 1942, assumiu a Divisão do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), programa surgido da parceria entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos para “fornecer assistência médica aos produtores de matérias-primas estratégicas”, entre estes, os seringueiros do Vale Amazônico (Wagley, 1988: 19-20). Nessa ocasião, o antropólogo contou com a ajuda de Dalcídio Jurandir, que com “seu profundo conhecimento da vida da cidade e o grande círculo de amigos” tornou possível que ele, Wagley, aprendesse mais sobre Gurupá “em um mês, do que o teria conseguido em dois meses” sem o auxílio do escritor (Wagley, 1988: 21). Dessa experiência Charles Wagley acumulou dados que o ajudaram a compor o livro Amazon town. A study of man in the tropics, “estudo de caso” realizado em Gurupá entre junho e setembro de 1948. A tradução brasileira desse livro, Uma comunidade amazônica. Estudo do homem nos trópicos, realizada por Clotilde da Silva Costa, foi publicada em 1956 – a 3ª edição, de 1988, conta com um novo prefácio de Charles Wagley e um posfácio escrito por Darrel Miller, aluno do antropólogo.

Uma comunidade amazônica apresenta oito capítulos. No primeiro, “o problema do homem dos trópicos” [ilustração], o antropólogo norte-americano tenta responder a questões relativas ao desenvolvimento de uma região “atrasada”, analisando vários aspectos, do clima à economia. O segundo capítulo, “uma comunidade amazônica”, faz uma descrição da cultura de Itá (nome fictício de Gurupá no estudo antropológico), encarada como produto da fusão entre as culturas europeia, negra e indígena. O terceiro capítulo, “o meio de vida nos trópicos”, trata da organização econômica da comunidade de Itá e descreve, por exemplo, a pesca e a extração da borracha com seu “sistema do aviamento”. O quarto capítulo, “as relações sociais em uma comunidade amazônica”, tematiza a estratificação social em Itá, descrevendo como os habitantes da comunidade se classificam quanto a sua classe social (“gente de primeira”, “gente de segunda”), como ocorre a mobilidade social, etc. O quinto capítulo, “os assuntos de família de uma comunidade amazônica”, aborda a família e as relações de compadrio como estratégia para alargar o círculo de relações pessoais. O sexto capítulo, “a gente de Itá também se diverte” descreve as festas religiosas. No sétimo capítulo, “da magia à ciência”, Wagley narra o choque entre as práticas da medicina científica e da medicina popular. E para concluir o livro, o oitavo capítulo, “uma comunidade de uma área subdesenvolvida”, reforça as teses contidas em todo o livro comparando a comunidade de Itá com a pequena cidade de Plainville (EUA). Nessa comparação, o pesquisador afirma que Itá é a mais atrasada, na maioria dos aspectos analisados, entre as duas comunidades. Segundo ele, o motivo pelo qual a região amazônica é atrasada reside na cultura e na sociedade, e que só com uma reforma cultural e a chegada da técnica é possível desenvolver a região.
As “notas de campo” do pesquisador, feitas durante a pesquisa por toda a equipe que ele liderou, nos possibilitou, entre outras coisas, observar a semelhança, em parte, dos processos de levantamento de dados realizados tanto pelo escritor no contexto do seu projeto literário quanto pelo antropólogo; e nos ajudou também a estabelecer algumas convergências entre o romance e o estudo antropológico, abordando aspectos da vida social e histórica da comunidade amazônica de Gurupá. A partir disso, observamos melhor o diálogo entre as duas obras, e ampliamos assim a reflexão sobre a transposição ficcional feita por Dalcídio, no romance, baseado na própria vivência na comunidade e nos dados coletados por Wagley. Além disso, alguns desses dados dialogam com os dados que levantamos quando realizamos, em fevereiro de 2012, a visita de campo na comunidade. A convergência que estabelecemos, nesse primeiro momento, entre as duas obras, se detém especificamente na relação entre alguns aspectos da comunidade referidos pelo romance que são tratados no estudo antropológico, e encontram testemunhos nas “notas de campo” do pesquisador – apesar de algumas dessas “notas” não terem sido utilizadas no livro.
Nas fichas de pesquisa de Charles Wagley encontramos o nome verdadeiro de alguns comerciantes importantes da localidade, dentre os quais destacamos os nomes de Liberato Borralho e Samuel Castiel, que provavelmente serviram de base para a criação dos referidos personagens do romance Ribanceira. Tanto a família Borralho quanto a família Castiel (que é judia, assim como a família Bensabá no romance), foram muito referidas quando, na visita de campo, em Gurupá, realizamos uma entrevista com Adelino Freitas, historiador e morador antigo da comunidade. A possibilidade de consultar as “notas de campo” da pesquisa do antropólogo foi importante para analisar o processo pelo qual o pesquisador protege seus informantes, em seu livro: ele cria nomes fictícios para cada um deles, cujo “efeito simbólico seria o de despertar a confiança dos habitantes e dos informantes na e da comunidade” (Francisco Rosa, 1993: 50). A característica principal desses nomes é a proximidade sonora com o nome verdadeiro. Em Uma comunidade amazônica, o comerciante Liberato Borralho, por exemplo, é referido como Lobato; a zeladora da igreja de Santo Antônio, D. Inacinha, é, no estudo, a D. Branquinha; e assim por diante. Em Ribanceira, essas duas figuras históricas aparecem, respectivamente, como o Seu Guerreiro, o “Não-me-Meto-em-Política”, e na D. Pequenina, a “Mata-Marido”, viúva várias vezes, assim como D. Inacinha, que declara em uma das fichas de pesquisa do antropólogo que “não é nada agradável fazer enterro de marido”.
Alguns depoimentos colhidos pela equipe de Charles Wagley evocam, de imediato, trechos do romance. Em um ficha consta o depoimento de uma moradora local que expressa o clima decadentista da época. Nas palavras de D. Felícia “Gurupá está agora [em 1948] muito decadente, já foi um lugar, tinha luz, telégrafo.” Na caminhada aos cemitérios, no início do romance, o “guia” de Alfredo, Intendente Dr. Januário, também refere o desamparo da comunidade:



— O entulho nos engole. Venho administrar o outrora, o que já foi. E cidade foi, sim, com hotel, piano, harpa, banda de música, coche fúnebre, jornal, biblioteca, advogados e um Trapiche-cais. Os santos fugiram, alega aquele bêbedo lá da raiz de mangueira. Santo Antônio e São Benedito são só fantasmas. Desmente o Coletor Federal, o Sede de Justiça: Quem daqui saiu no Lobão,com as imagens num saco de borracha, senão o Meritíssimo? Mas me servindo um cálice de Porto, afiança o seu Guerreiro: Não, o Juiz não, foi o ex-Intendente. Fazendo acordo com o Diabo, destelhou a igreja para cobrir com as telhas sa-gradas a casa do filho no Jocojó. O filho torrou as imagens em Belém, trocou uma a bordo por um pacote de quinino (Ribanceira = R: 35-36).
Em um diálogo constante, esse trecho evoca, ainda, outros dados da pesquisa antropológica. Além do desamparo por conta da situação de declínio econômico experimentado após o auge do “ciclo da borracha”, o personagem romanesco se refere também aos “causos” envolvendo os dois santos da cidade. Na comunidade de Gurupá, ainda hoje, como pudemos observar na visita de campo, Santo Antônio e São Benedito, convivem juntos na igreja de Santo Antônio. [ilustração] Charles Wagley, no seu livro, se refere à lenda do edifício da prefeitura, que, nas palavras do antropólogo, “deveria ter dois andares e uma escada majestosa descendo do segundo andar até à praça pública, defronte do rio Amazonas”, mas por volta de 1912, não foi acabado então porque o prefeito havia desapropriado para a prefeitura o material de construção que vinha sendo acumulado para erigir a igreja de São Benedito, de quem a população de Itá se tinha tornado profundamente devota. “O santo pôs uma maldição no prédio”, dizem ainda hoje os moradores da cidade (Uma comunidade amazônica = UCA: 69).
No romance, a mesma lenda aparece, agora dentro da coerência do enredo, no mesmo trecho em que o Intendente está acompanhando Alfredo na “vistoria aos cemitérios”, destacando também a “escada majestosa”:


Aqui, do que seria o Palacete Municipal, só foi armado o esqueleto. Olhe a escada para o segundo andar. A obra parou no mesmo ano em que desceram aqueles preços. O ex-Intendente passou no cobre os materiais da construção. Mas entre o povo corre que foi arte de São Benedito. Os materiais pertenciam ao santo para a sua igreja que nunca saiu da pedra fundamental. Foram requisitados pelo Intendente para a obra do palacete. Zangou-se o santo. Consta que São Benedito anda farto de morar em casa alheia, a casa é do Santo Antônio. Mas agora não tem remédio. Os dois santos se tolerem secula seculorum debaixo do mesmo telhado (R: 33).

A obra antropológica e a obra literária continuam o diálogo no que se refere às histórias sobre os santos que “corriam” na comunidade na época em que, tanto o escritor quanto o pesquisador, lá estiveram. Na página 36 de Ribanceira, os dois santos são referidos como “fantasmas”; em Uma comunidade amazônica, um trecho relata duas narrativas que aparecem no romance:
Cada santo é considerado uma divindade local. Santo Antônio e São Benedito, cujas imagens ocupam o altar-mor da igreja matriz, chegaram mesmo a ser vistos à noite caminhando pelas ruas. O pai de Juca contou-lhe ter avistado os dois santos passeando certa noite sob as mangueiras da rua principal; usavam hábitos de monge e dirigiam-se à igreja, onde os viu entrar [...] Em outra ocasião, um soldado viu dois homens caminhando pela rua, altas horas da noite, e como não atendessem à sua ordem de alto, fez fogo. Ambos continuaram caminho e ele os reconheceu como os dois santos, tendo o zelador da igreja no dia seguinte encontrado um orifício produzido por bala na imagem de Santo Antônio (UCA: 221).
No romance, a lenda do “baleado Santo Antônio”, que por isso está “perdendo sangue” (ao longo do romance essa é a referência principal ao santo), aparece em uma conversa entre Alfredo e Bi, quando estão em busca dos músicos para o baile de D. Benigna:
Pisavam no chão de pedras, varre o rei, varre a rainha, lá embaixo o baque dos cedros na praia.
Cismo que esta hora é a folga daqueles dois — fala Bi com voz resignada.
— Que dois? O rio e a noite?
— Santo Antônio e São Benedito saírem juntos para tomar fresco.
— Se livrarem um pouco do cheiro da santidade e dos morcegos?
— Os dois costumam sair, sim, o branco e o preto. Mas agora, não, ah, nem me lembrava! São Benedito anda em tiração de esmolas. Vem das Ilhas, cobrando óbolos.
— Óbolo ao Papa?
— Ao Papa? Sabe que Santo Antônio foi, uma noite, alvejado? Levou uma bala lá nele que até hoje traz a marca. Foi numa das suas saídas de noite.
— Por isso perde sangue? (R: 140)
Para o autor de Ribanceira, “a ficção é mais verossímil quanto mais inventada tendo como base a realidade” (D.Jurandir, 2006: 52), e por isso seu processo de criação envolvia muitas viagens, pesquisas, coleta de material, e uma reflexão constante a respeito da técnica composicional do romance – seus grandes mestres neste campo foram Flaubert e Tolstói. Seus colaboradores mais ativos nessa recolha de dados eram seus irmãos, Ritacínio e Flaviano, a quem pedia coisas como mapa de rios, cidades, dados históricos sobre algumas cidades (Ponta de Pedras e Belém, principalmente), detalhes sobre determinadas profissões, etc., que o romancista “preenchia [em] vários cadernos com anotações diversas, como ditos e crendices populares, citações de autores clássicos, lendas, etc.” (B.Nunes et al., 2006: 165). Tudo isso demonstra o grau de consciência e cuidado que Dalcídio Jurandir tinha com a composição de seus romances, os sacrifícios que lhe exigiam e ainda as dificuldades que enfrentava, como, por exemplo, a distância, o escritor longe, no Rio de Janeiro, e os irmãos e amigos em Belém.
Nesse ponto, observando o processo de levantamento de dados realizado pelo romancista, percebemos o quanto se assemelha, em parte, ao levantamento realizado pelo antropólogo. Como comprovação disso, cabe citar o fato de termos encontrado, em meio às “notas de campo” do pesquisador, uma quadra popular do município, coletada em 1948, não utilizada no estudo antropológico, que figura em Ribanceira. A quadra que diz: “Tigre preto, Tigre branco/ Que vem nas ondas do mar/ Tigre preto, Tigre branco/ Já tornou sabiá” aparece quando Alfredo volta de sua experiência frustrada no Rio, e logo em seguida vai visitar sua madrinha, Magá, no ponto de venda de tacacá, e da boca dela ouve parte da quadra anotada por Charles Wagley:
Com três cuias de tacacá, bem pimenta, um camarão e jambu, regalou-se, fazendo render a goma para pedir mais tucupi. Magá servia aos fregueses, cantarolando:

Tigre preto
Tigre branco
Que vem nas ondas do mar

Beiço a tremer da folha do jambu, Alfredo ouvia e isso era reaver o nome, o conhecer-se de novo, o restituir-se ao chão (R: 12).
Esse trecho aponta que Dalcídio Jurandir e Charles Wagley coletaram cada um por seu turno, a mesma quadra popular. A não ser que tenha havido uma colaboração do romancista nessa tarefa, no caso, fazendo parte da equipe de pesquisa do antropólogo (o que certamente não deixaria de ser referido no prefácio do livro deste) é pouco provável que o escritor tenha acessado o material dos antropólogos. Concluímos, então, que era o seu processo de levantamento de dados para a criação romanesca que se assemelhava ao mesmo processo dos antropólogos.
Os pontos de contato entre Uma comunidade amazônica e Ribanceira se referem a vários outros aspectos da comunidade de Gurupá. A convergência que propomos agora se detém sobre o espaço real de Itá/Gurupá e o espaço ficcional da “ribanceira”, além da relação entre alguns informantes do antropólogo e alguns personagens relevantes da trama do romance, como o Seu Guerreiro e o Seu Bensabá, comerciantes locais que de fato existiram e estão presentes na ficção. A descrição da cidade no romance, por exemplo, vai ao encontro em muitos pontos da descrição feita por Charles Wagley, diferindo apenas a maneira pela qual essa descrição é feita. No estudo antropológico a cidade aparece descrita de uma maneira seca, informativa, destituída de efeitos estilísticos, característica do texto objetivo, científico:
Vista do rio, a cidade é uma pausa repousante na monótona sucessão de matas que cobrem as margens do Amazonas. Destaca-se, nítida e colorida, do fundo verde-escuro da vegetação. A igrejinha, branca e luminosa, com o seu telhado cor de barro, é o primeiro edifício que se distingue (UCA: 45; grifo nosso).
Itá apresenta ao rio o seu melhor perfil, mas, vista de perto, até a sua orla fluvial está estragada pelo uso (UCA: 46).

Por outro lado, no romance a descrição da “ribanceira” aparece transfigurada pela linguagem poética, que personifica a cidade fazendo-a assumir comportamentos humanos (timidez), por não “querer” revelar sua pobreza à primeira vista; no trecho a seguir, o ponto de vista em primeira pessoa flagra a cidade “saindo do seu ouriço, se pondo de cócoras”. Vejamos:
Mas a cidade? Ainda encaramujada na ribanceira. Reserva-se, quer nos pegar de surpresa, tapando nossos olhos com suas mangueiras ou mostrar-se, telha por telha, retraída nas paredes, preguiçosa de se levantar. Do barranco, que se empinou na várzea, a testa é sabrecada, endurecida, nos coices do rio, agora aqui e ali pendura suas folhagens. Em pedra se assenta o terreiro com um sobejo de almas, aí foi um hospício, fortim, uma cidade? Breve estou naquele moquém debaixo deste algodoado azul, o sol esfolando o rio. Onde os abacateiros? Quando a minha febre? Te desencaramuja, cidade, ou que foi, mais não é, suspende teus jiraus, solta teus morcegos, teus galos, teu cancan os teus podres.
Agora a igreja com uma penugem de garça velha, cidade saindo do seu ouriço, se pondo de cócoras (R: 9-10; grifo nosso).
Esse trecho denuncia além das características da prosa poética de Dalcídio Jurandir, a estrutura da narrativa complexa da obra, particularmente, nesse caso, o jogo entre a descrição física e a descrição psicológica: “Onde os abacateiros? Quando a minha febre?” Outra diferença se refere à estrutura frasal nas duas obras: em Uma comunidade amazônica os períodos são curtos, marcados geralmente por orações coordenadas, e a pontuação, padrão, respeita os preceitos gramaticais. Em Ribanceira as frases são longas, cheias de imagens, metáforas, expressões idiomáticas, as palavras usadas ou são pouco comuns (“sabrecada”) ou são neologismos (“encaramujada”), e a pontuação é livre.
Apesar da existência de vários pontos de contato entre o romance e estudo antropológico, o que sugere até uma relação de “influência” de um em relação ao outro, a maneira como cada um representa a mesma comunidade amazônica é diversa. À diferença do gênero textual correspondem, naturalmente, duas representações sobre a vida social da comunidade de Gurupá: uma “científica”, outra literária; um texto é descritivo-dissertativo, enquanto outro predominantemente narrativo-ficcional. O texto literário diverge, em várias características, do texto científico. Primeiramente porque, segundo o estudioso da estrutura da linguagem poética, Jean Cohen, “toda linguagem literária é estilizada” (1976: 100). Em se tratando de um romance de Dalcídio Jurandir, as características mais marcantes são justamente sua prosa poética e a estrutura complexa da narrativa.
Após a apresentação e comparação das obras de Dalcídio Jurandir e Charles Wagley, podemos concluir que o romance e o estudo antropológico tratam, obviamente, do mesmo espaço urbano-regional (Itá/Gurupá/Ribanceira), pelas descrições da cidade e da vida social no interior de cada obra. Como vimos, as representações contidas em cada obra estão ligadas ao estatuto textual. O estatuto científico do texto do antropólogo prevê a argumentação em defesa de uma tese (o “atraso” da região amazônica) e a proposição de uma solução (reforma cultural); o estatuto literário do texto do romancista, por sua vez, questiona ao invés de afirmar, e seu discurso metafórico abre, diante do leitor, um horizonte de significações. Os discursos científico e literário acabam sendo duas maneiras de encontrar “respostas” para os problemas da região. Charles Wagley, como o personagem do romance, acaba desiludido também, ao ver as mudanças pelas quais a Amazônia passou com a “chegada da técnica” (os “grandes projetos” na Amazônia no período da ditadura militar); Alfredo, apesar de desiludido, “de tudo que lhe cortava o peito fez uma alegria” (R: 11).

Poesia: o artista multimídia Tchello Barros e sua poesia visual espalha-se pelo Brasill e pelo mundo.

A retrospectiva itinerante de Poemas Visuais da série ’’Convergências’’ já foi apresentada em vários Estados, como PA, PB, AL, SC, RJ, ES e RS e neste 2012 participam da mostra de arte brasileira no Ano do Brasil em Portugal.

por André Ferreira Leite

Aneve cobria os campos e cidades do planalto catarinense. Frio abaixo de zero. Um adolescente de quinze anos, esquentava as mãos no fogo-à-lenha e degustava o chimarrão de erva da serra, enquanto lia as narrativas de Inglês de Souza, em livros emprestados de bibliotecas públicas. Surgia ali a semente de um dia conhecer e quem sabe viver na mítica Amazônia. 
Passadas duas décadas, produzindo obras em diversas linguagens, com ênfase na Literatura e nas Artes Visuais, realiza as primeiras viagens à capital paraense, mas pode-se dizer que a obra foi chegando antes do autor. Um soneto distribuído num casamento, textos publicados no site Ver-O-Poema e em 2009 chega a cidade a exposição itinerante de Poesia Visual ’’Convergências’’, abrigada na Galeria Graça Landeira, pelo curador Emanuel Franco. Em seguida, o convite para dirigir uma revista e assim a escolha de viver finalmente na Amazônia, tendo como base, a antiga e bela Belém do Pará. 
Desde logo, buscou aproximar-se das atividades culturais da região, participando com declamações dos saraus do Movimento Cultural Extremo Norte, dos happenings promovidos pelo Corredor da Amazônia e dos encontros culturais realizados pelo projeto Zona Cultural, do Sindfisco. Numa cidade considerada um polo de produção fotográfica, tratou logo de apresentar um pouco de sua produção nessa área, e assim surgiu uma trilogia de exposições fotográficas, ocorridas no expaço de exposições do IFPA, no espaço alternativo do Corredor da Amazônia e na Biblioteca Arthur Vianna, no Centur. Além disso tem participado de coletivas fotográficas, no Sesc Boulevard, Fórum Landi e Sindfisco. No segmento do audiovisual, tem participado das atividades do NuPA, Núcleo de Produção Audiovisual (UFPA + Sesc Boulevard) e das produções da Muirakitam Filmes, onde assina roteiros e a direção de fotografia.
Já na área teatral, teve algumas performances, encenadas por atores locais, dirigidas por Ronaldo Aparecido e Joyce Bervelly, como Outra Jaula Para Pound, Feminilidades, Poema Ao Pé do Ouvido e a intervenção Fila de Poesia.

Tchello d’Barros é um catarinense que gosta de chimarrão e reside atualmente em Belém, Amazônia. É um poeta da palavra e da imagem que não mede esforços e nem recusa a possibilidade de utilização da tecnologia disponível. Passeia pela Literatura e pelas Artes Visuais e gráficas com enorme desenvoltura. Além disso, escreve Literatura de Cordel sem deixar de ser contemporâneo, escreve Literatura Infantil sem deixar de ser lúdico. Na Poesia Visual deixa sua marca com forte expressividade e criatividade, através de trabalho duro e extensa pesquisa. 



No Brasil não podemos esquecer os poetas do Concretismo, os irmãos Campos e Décio Pignatari, que merecem reverência e respeito.
Além deles, citemos ainda Leminski, José Lino Grünewald, Philadelpho Menezes e o Poema-processo de Wlademir Dias-Pino. Tivemos ainda várias revistas alternativas nas décadas de 70 e 80, que foram difusoras e entusiastas da Poesia Visual, isso para citar somente algumas fontes e para dizer que esta ainda se faz com entusiasmo na contemporaneidade, como no caso do trabalho de Tchello d’Barros, fundamentado na pesquisa e na experimentação radical. 
Se pensarmos na trajetória da Poesia Visual no mundo, podemos perceber sua marca desde tempos idos, passando pela revolução explosiva de Mallarmé e seu Lance de Dados, Apollinaire e seus Caligramas ou mesmo os poetas radicais do Futurismo, Dadaísmo e Surrealismo, sem esquecer os re-descobridores de Lautréamont e Rimbaud, poetas fundamentais - e mesmo visuais - por produzirem uma poesia imagética e sensorial.
Ao trabalhar com a multilinguagem, Tchello d’Barros vai além e insere-se na produção contemporânea brasileira sem se repetir, ou mesmo se reduzir, mas com uma tendência de se expandir sempre e cada vez mais. Poemas como Me dê Cifras ou mesmo A Teia, nos remetem ao humor e ironia tão necessários ao cotidiano e a poesia, os signos falando, transmitindo, comunicando, a teia, a rede, o labirinto, o homem e seu próprio labirinto. Somam-se o enigma, o jogo, o som, a imagem, a palavra e a interpretação intersemiótica, como propunha Julio Plaza. Alçar vôo e ir além, inserção em circuito nacional itinerante e repleto de ação, numa obra em progresso.  

Convergências é uma série consistente de pesquisa e contínua construção, que se insere no contexto da produção atual da Poesia Visual, e como não podia deixar de ser, ora surge uma referência a Borges, ora a Brossa, com homenagens sinceras e referenciais, já que são construções produzidas a partir de uma pesquisa prévia e paciente. 
A proposta de itinerância desta exposição é um processo de suma importância para a divulgação e ampliação da Poesia Visual criada por poetas contemporâneos do Brasil, quiçá na América Latina e no mundo. A itinerante exposição de poemas visuais Convergências, impressiona não apenas pela força imagética, mas principalmente pela atualidade, sinceridade e humor. 

Tchello d’Barros criou um mundo de imagens gráficas, recheadas de simbolismo e de palavras que vão além do óbvio, fazendo com que o olhar do expectador se expanda e se surpreenda com detalhes sutis inseridos em sua obra. A circulação e itinerância destes trabalhos nos dão a dimensão e a importância da Poesia Visual para o mundo contemporâneo e acelerado que vivenciamos hoje. Às vezes, é preciso parar e meditar para se perceber o que sempre está lá na nossa frente, na nossa cara.

Confira a matéria publicada na edição especial da Revista PZZ 15: http://issuu.com/revistapzz/docs/pzz15layoutfinal